sexta-feira, 18 de julho de 2014
Tenho medo
Pois então, lá se foi a Copa. Lá se foi só a Copa, não... Lá se foi a Copa mais segura de todos os tempos, de toda a história das copas que a Fifa realizou até esta gloriosa edição brasileira.
E o legado só poderia ser este mesmo: segurança pública para o Brasil da Silva, de fio a pavio, já que somos 201 milhões de filhos de Deus e não apenas coisa de uns milhares de turistas que já se mandaram e não queriam nem saber se o pato era macho, eles queriam era comer ovo.
Agora sim, já que o esquema anti-violência urbana montado pelo governo Dilma contra a baderna na Copa deu pra lá de certo, podemos todos - eu, tu ele, nós, vós, eles - sair às ruas para passear na praça enquanto o lobo não vem.
Teremos todos, do metrô em São Paulo, ao bondinho do Pão de Açúcar; teremos todos das Minas da Pampulha ao Pelourinho de Salvador, terra de Nosso Senhor; teremos todos nesse Brasil de cabo a rabo, plena liberdade para ir e vir, sem risco de assalto, sem preocupação de deixar o carro sem seguro no estacionamento de qualquer supermercado; sem passar pelo pavor de um sequestro relâmpago e coisinhas bobas assim que não padecemos durante a Copa e, decerto, não sofreremos mais daqui pra frente, para todo o sempre.
Não seremos assaltados nem sequestrados, mas eu confesso a vocês que vou continuar com medo das violações de direitos que as forças armadas públicas e civis tanto gostaram de mandar pras cucuias, à base de pontapés no traseiro, bombinhas de efeito imoral, spray de pimenta e outros artefatos que o governo Dilma mandou ver.
Estamos agora todos tranquilos, nós que somos uns desses 201 milhões de protegidos pela multiplicação de expedientes que embaraçaram e coibiram o direito às manifestações; que depredaram os protestos, usando a força desproporcional contra a desafiadora demonstração da simples ideia de uma nova cidadania. Estamos tranquilos, sim... Mas eu confesso que tenho medo.
Tenho receio de continuar sendo protegido do jeito que nos protegeram durante a Copa das Copas, a mais cara, atrevida e fraudada de todas as Copas. O governo gostou do jeito que nos protegeu. Pensem que apenas está começando o Ano da Eleição. O governo vai querer nos proteger da mesma forma; vai querer mais do mesmo.
E teremos todos, então, segurança garantida ostensivamente por especialistas em borrachas e coturnos, por homens das temidas tropas de choque com a missão de nos servir e proteger, intimidando, constrangendo e limitando o acesso de manifestantes aos locais de concentração de qualquer ato que o povo tenha a ousadia de sonhar como protesto diante do que não gosta, do que não quer, não precisa e que paga para não ver de tudo quanto o governo e seus sócios vêm impingindo ao povo.
Agora vai. A segurança funcionou na Copa das Copas, tem que funcionar no Ano da Eleição e depois também e para sempre, amém. É aí, meus preclaros companheiros e camaradas, que eu levo medo. As forças armadas, as polícias de pacificação, os policiais civis e militares, podem atropelar de novo a Constituição. Basta que ela esteja no caminho.
Tenho medo de que se consagre a aberração das prisões por desacato à autoridade que riscar uma linha imaginária no chão da pátria, a qualquer instante, ou nem tão distante. Tenho medo, da estratégia copeira de contenção do direito de manifestação; tenho medo do emprego da limitação ilegal da liberdade de expressão, coisa que os tratados internacionais abominam.
Tenho medo do repeteco de revistas pessoais arbitrárias, sem suspeitas fundadas; tenho medo de ser enxotado da arquibancada da vida onde fui ver mais uma banda passar tocando flauta na corrupção; de ser levado para interrogatório, sem ordem judicial; tenho medo, sempre tive do polícia da esquina, a maior autoridade de qualquer país desmocratizado, em qualquer ocasião.
Mais que isso, tenho pavor, só de pensar que os paus-mandados do governo se ponham a abrir inquéritos para acompanhamento de movimentos sociais, de ativistas de direitos humanos e manifestantes. Querem saber de uma coisa? Tenho mais que medo, mais que pavor, tenho ojeriza e náusea por essa democracia que os donos desse regime inventaram para eles mesmos.
Deixem que lhes diga. Posso dizer-lhes isso agora que estamos sob a segurança pública padrão Fifa que o governo Dilma pôs tão bem em prática na Copa que vai querer deixar assim quando bem lhe der na telha: eu não tenho medo nenhum do que o governo pode fazer por nós; eu tenho medo é de tudo quanto ele vem fazendo conosco.